A foto de hoje, segundo me parece, deve ser dos anos quarenta, o local é junto á Amorosa, e mostra a roupa a secar e a corar. Nada mais comum.
Não vou descrever os costumes ou as histórias picarescas e pitorescas próprias das lavadeiras que frequentavam o Leça. Outros já o fizeram e melhor do que eu o poderia fazer, pois com elas conviveram.
Outrossim, vou antes prestar uma homenagem a todas as mulheres que, indiferentes ás estações do ano, exerceram esta profissão no rio Leça.
Mulheres que calcorrearam as suas margens, há muito desaparecidas na névoa do tempo, de quem tudo se esqueceu, até do nome.
Para todas elas:
CANÇÃO DA LAVADEIRA DO LEÇA
Acordo pel’ aurora,
Ainda murmura o luar,
O sol já não demora,
Vou para o rio lavar.
Chego ao alto de Sant’Ana,
No altar poiso uma rosa,
Um doce aroma imana
Perfumando a Amorosa.
Abre o sol, a brisa é fria,
Desço ao rio, depressa,
Na cabeça, uma bacia,
Já o vejo, o doce Leça.
Pleno de cor e de gente,
Nos seus recantos frescos,
Água pura, transparente,
Redemoinhos, arabescos.
Dou sabão na colcha alva,
Esfrego enquanto canto
Mergulho a minha alma,
Em água límpida de pranto.
Oiço o sino, toque duro,
Logo me apresso a lavar,
Estendo a roupa no muro,
Deixo-a ao sol a corar.
Findou a luz, escurece,
Chegou o fim, era hora,
O rio pára, emudece,
A noite já não demora
Repousa o sol, é escuro,
Dói-me o corpo da fadiga.
Temo caminho inseguro
No regresso a Almeiriga.
Sou mulher antes de ser,
Sem tempo, a trabalhar,
Carrego a idade no ventre,
A minha vida é lavar…
ACF – 2009-10-02